Atendimento a pacientes e familiares 24h:
0800 400 4550
Redes Sociais

Blog

Notícias

Quando a despedida é necessária

Por Tarcyo Bonfim
No momento atual da pandemia que a humanidade está atravessando, estamos observando o fechamento de inúmeras portas e também a abertura de novas. Empresas estão fechando, pessoas estão perdendo o emprego, alguns comportamentos estão deixando de existir e novos estão surgindo. Como podemos sublimar ou dar um novo significado a essas perdas? Como podemos enxergar na perspectiva que nos permita ver as portas que se abrem?
Tenho aprendido que o espaço do novo surge quando liberamos o espaço do antigo. Quando nos desapegamos do passado e vivemos o presente com os pés na realidade e a cabeça no alto, estamos caminhando em direção a mudança. Tenho observado que isso é notório em diversas esferas da vida, seja na vida afetiva, na mudança de comportamento, na vida laboral ou na relação com os bens materiais. Existe até o ditado popular de que para curar a perda de um grande amor apenas outro. Mas isso funciona se a pessoa se despedir do antigo amor. Da mesma forma, só emagrece quem se despede das antigas escolhas. A arte do desprendimento está na arte da despedida.
Minha primeira conexão com a força da redenção, promovida pela despedida verdadeira, foi durante o período que ainda era acadêmico de medicina. Estava fazendo um estágio em oncologia pelo grupo AMO e acompanhávamos um paciente na Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) do Hospital Aliança. Ele já vinha em um processo de finitude arrastado, decorrente de um câncer no intestino. Naquela época, a perspectiva dos Cuidados Paliativos ainda não era difundida na comunidade médica e muito menos na academia de medicina. Lembro-me que a equipe da oncologia buscou construir com a família a não transferência a UTI, porém a esposa, as duas filhas e o filho não aceitavam o processo da terminalidade. Eu conhecia uma das filhas, pois ela havia sido minha colega de cursinho pré-vestibular. Após quase 20 dias do internamento em UTI, perguntei: por que vocês não permitem que ele se vá? Ela não respondeu.
Passado dois dias após a pergunta, não imaginava o efeito que poderia ter tido na minha colega e na sua família. Quando fui visitar o paciente na UTI, encontrei a família toda reunida de mãos dadas ao redor do leito fazendo uma oração. Ao concluir, a matriarca falou: “meu bem, te entrego nas mãos do Senhor”. Alguns segundos se passaram e o paciente entrou em assistolia. Fez a passagem em paz. Esse foi um acontecimento que marcou minha trajetória de vida profissional e espiritual. Uma despedida genuína e uma aceitação genuína levando aquela família a um novo momento.
Tempos depois, encontro minha colega no shopping com o namorado e perguntei como estava sua mãe. Ela disse que a mãe dela já estava com outro companheiro e que em breve iria se casar novamente. Fiquei feliz e sedimentei em mim esse aprendizado: o fechamento de um ciclo necessita de uma despedida autêntica. Essa lembrança veio neste momento delicado onde estamos vivendo e assistindo tantas despedidas.
O poder da despedida é transformador; transforma a dor e gera resinificados. Mas não é a mera despedida, o tchau, o até logo, é o desprendimento, o desapego verdadeiro, a consciência clara do agora e do que está no nosso controle. É reconhecer o que está sob o judicie do inefável e respeitar. Essa é uma competência tão necessária a adaptabilidade do momento presente. Importante para darmos os passos em direção ao novo e reconhecer o que precisa mudar, retirar para permitir o que virá.
 


plugins premium WordPress